O Detetive Mentiroso: É possível evitar o destino?
Por
Júlia Silveira*
Essa
é a pergunta que se coloca como fio condutor da quarta temporada de
Sherlock. Desde que fomos apresentados ao conto de Samara sobre a
inevitabilidade da morte, percebemos o intenso desejo de Holmes,
desde a infância, de controlar os acasos e escrever a própria
história. Esse anseio persiste em 'O Detetive Mentiroso', quando
Sherlock é consumido por uma crise depressiva sem precedentes e se
percebe questionando o valor e o sentido da própria vida, assegurada
pelo sacrifício de Mary. Atormentado por fantasmas do passado e pelo
medo do futuro, o personagem embarca numa destrutiva viagem de
autoconhecimento para retomar as rédeas da própria trajetória.
Será possível escapar dos planos maquiavélicos traçados há anos
por uma poderosa rede de inimigos? Diante de um John resignado, que
se limita a dizer que as coisas “são o que são”, conseguirá
subverter a má sorte?
Permanecemos
com mais dúvidas do que respostas, imersos no clima sombrio que os
criadores e o elenco da série já haviam anunciado repetidas vezes.
No entanto, o cenário que encontramos agora é diferente do que
vimos em 'As Seis Thatchers', quando o enredo parecia inconsistente e
os personagens descaracterizados. O episódio mais recente é
familiar e verossímil, amarrando o roteiro (bem) escrito por Steven
Moffat de forma envolvente. Isso deve-se principalmente à presença
do aguardado vilão Culverton Smith, interpretado pelo impecável
Toby Jones. O rival megalomaníaco, à altura de Sherlock Holmes, nos
prende a cada segundo com seus deboches e olhar alucinado.
Também
merece destaque a atuação brilhante de Benedict Cumberbatch –
amparado por uma boa caracterização –, que transita entre a
apatia profunda e o desespero completo. Convence e cativa nas
alucinações entorpecidas, nos discursos desconexos, no sofrimento
profundo. A cena em que recita
um trecho de Henrique
V,
de Shakespeare,
rodopiando e dando tiros a esmo, coroa a junção de sua melhor
performance na série com a cuidadosa direção de Nick Hurran.
Já
Martin Freeman, que virou meme e foi alvo de críticas no episódio
anterior, dessa vez se redime com louvor, sobretudo na cena em que
espanca Sherlock no mortuário. Freeman consegue traduzir não só o
luto por Mary, mas o ressentimento de seu personagem por todas as
vezes em que Sherlock foi manipulador, utilitarista e incapaz de
demonstrar afeto ou empatia. Incorpora ainda resquícios de mágoa
por conta da morte falsa e do sumiço por dois anos. A sequência
brutal e extremamente bem-feita é um dos momentos mais viscerais e
sinceros da dupla, trazendo à tona culpas e absolvições.
Por
fim, vale destacar que, contrariando a tônica da série até então,
o episódio abre espaço para um maior protagonismo feminino, nos
ofertando momentos memoráveis. Amanda Abbington retorna como uma
alucinação de Mary, que assume o papel de consciência de John com
sensibilidade e acidez. Sua deliciosa atuação consegue evitar que o
recurso pouco original se torne piegas. É a sua presença metafórica
que viabiliza o intenso processo de superação da culpa que John
protagoniza antes de ser amparado nos braços de Sherlock. Parece
significativo que sua efetiva partida aconteça assim que a relação
da dupla de investigadores começa a ser restaurada. Não se pode
deixar de mencionar também a grata surpresa que é Sian Brooke e as
múltiplas personagens que interpreta assumindo o papel de Eurus, a
irmã Holmes secreta. A
britânica traz a versatilidade necessária para desfilar seus
múltiplos disfarces e misteriosas intenções. Mas nada
disso supera o destaque de Mr Hudson, interpretada pela cativante Una
Stubbs, que honra como nunca o bordão “não sou sua empregada”.
Não restam dúvidas de que a inquilina de Baker Street é o pilar
que mantém Sherlock e John unidos e sóbrios, protegendo-os de suas
próprias infantilidades e destemperos.
O Detetive Mentiroso tem o mérito de se redimir parcialmente com os fãs
que ficaram perdidos e angustiados com a estreia da quarta temporada.
Mas, apesar de ser um bom episódio, ainda não é a série que
conhecemos, construída delicadamente e equilibrada em suas nuances
cômicas e dramáticas. Quem será capaz de explicar, por exemplo, um
Mycroft conquistador que utiliza sexo como ferramenta de poder e
barganha?
Resta-nos
agora esperar pela conclusão dessa perturbadora viagem em três
atos, atualmente suspensa em um angustiante hiato no qual uma bala
caminha em direção a John. Que desfecho Sherlock conquistará para
si e seus amigos, apesar das armadilhas e fatalidades que o
espreitam? Conseguirá fugir do destino e evitar Samara? Ainda é
possível esperar um final feliz, mas não sem perdas e sacrifícios
significativos que já vem marcando a trajetória da dupla
irreversivelmente.
*Colaboração especial para a Sherlock Brasil. Os pontos de vista expressados refletem a opinião da autora.
*Colaboração especial para a Sherlock Brasil. Os pontos de vista expressados refletem a opinião da autora.
O abraço deles dois no final... <3
ResponderExcluirmelhor seriado de todos.
Excelente review por sinal!